segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Duas vozes inteligentes, cheias de amor



A quente, regozijamo-nos com o magnífico concerto que Joan As a Police Woman deu, ontem à noite, na fria, mas de majestática beleza, sala do Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra. Na sua insegurança inicial, a que se juntaram os problemas de som, começou por periclitantemente avançar pelos sulcos da intimidade. Prenha de convicções musicais embebidas no mais puro classicismo de construção de canções, raspado na fundura dos anos 70, soltou amarras para um espectáculo de uma entrega sem condições e exposição dos interstícios da alma. A voz, portadora da tão esquisita quão familiar particularidade de verter um choro envolto em veludo, casou bem com as teclas, guitarra, baixo e bateria, usados com toda a discrição.
A uma semana de distância, alegramo-nos pelos ecos reconfortantes de um belo e contido concerto de Patricia Barber, no Teatro Camões. Senhora de um pianismo jazz mais que seguro, ela representa, na verdade, o que de mais estimulante tem hoje para dar a fórmula voz-feminina-ao-piano. Um estauto alcançado pela forma ousada como procura sempre as soluções menos óbvias na tão nobre arte da canção canónica. A isso muito ajuda o estranho timbre que emana das cordas vocais, algo entre o sussuro e o estado de vertigem afectada. Ao contrário de Joan, Patricia não tem aquilo a que vulgarmente se considera "uma boa voz", mergulhando antes no campo da incertitude harmónica. Não sendo oficialmente pop, acaba por dominar esse muito idioma melhor que outros supostamente mais preparados para o fazer, jogando descomplexadamente com a guitarra rock que tão bem a acompanha - especialmente no álbum "Mythologies".
Patricia Barber e Joan As a Police Woman têm em comum, para além da acessibilidade das suas canções, a peculair característica de nos levarem ao mais recatado e íntimo estado na nossa existência sem terem o mau-gosto de nos chantagearem emocionalmente. Abençoadas sejam.

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