segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Na exacta proporção

A forma como nos relacionamos com a escrita é, não podia ser de outra forma, um bom barómetro do tempo em que vivemos. E isso tanto se revela válido para a maneira de a consumir como de a produzir. A polifonia proporcionada pelo aparato da era digital - mais aparente, do que real, dada a massiva homogeneidade do que propala - evidencia o que qualquer cabeça minimamente pensante sabe: não há muita gente a dizer coisas com interesse. Mais: muito do que se diz é apenas eco do eco de algo dito em determinada circunstância. Pior: o estilo utilizado é, na maioria das vezes, medíocre ou pueril - quando não é os dois em simultâneo. Descontando tudo isso, uma coisa que me deixa assaz espantado é o facto de quase todas as pessoas que expõem um discurso acharem que têm de o fazer com recurso a imoderado uso de dois dos elementos da pontuação, a exclamação e as reticências. Como se não se acreditasse no real valor das palavras, há que aditiva-las, finalizando cada sentença com uma exclamação, supostamente para enfatizar o que se diz, ou com reticências, supostamente para mostrar cinismo ou, élas, enfatizar de forma cínica. Ora, para alguém sobejamente à vontade com o real peso das palavras, torna-se evidente o ardil de tais expedientes. Eles, mais do que servirem os propósitos de quem os usa, acabam por funcionar de forma razoavelmente eficaz como mecanismo de exposição da tibieza dessas pessoas no uso da linguagem. Nunca como agora se assistiu, sobretudo através das ditas "redes sociais", ao tão imperativo bombardeamento das linhas textuais com pontos de exclamação e ou reticências. Bem vistas as coisas, tal também pode ser visto como um negativo da era que atravessamos, cheia de incertezas e de becos sem saída.

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