segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Muita fachada, pouca música, alguma poesia


É tema recorrente. Mais do que a edição discográfica regular per si, a discussão por ela motivada sobre novos valores da chamada "música portuguesa", a cada saída do anonimato de algum aspirante, leva-nos a especular se será desta vez. Isso. O problema começa logo aí, como se fosse necessário algum episódio iniciático, epifania fundadora de uma qualquer mitologia urbana. A música popular, ou pop, se se quiser, vive disso. Também. Mas não só. Ou não o deveria, dizemos. Porque, afinal, trata-se apenas de música. Ou não? Talvez aqui radique parte essencial do que, a meu ver, se constitui como o problema. Estamos a falar de música - mesmo que na sua versão mais acessível. Por que suposta ordem de razões tal deve ser desvalorizado, é algo que se desconhece. Mais concreto, existe uma ideia amplamente disseminada entre os portugueses - e, mais preocupante, entre alguns dos membros da sua comunidade musical - de que um cantor ou agrupamento, seja ele um cantautor ou banda, se credibiliza quanto mais nobres forem as suas palavras. As letras, ouve-se amiúde, são o importante naquele álbum de cicrano, que respeita muito a forma como beltrano trata a nossa língua. Apenas os mais distraídos teriam dificuldade em encontrar artistas entregues à mais elevada tarefa de cantar os mais belos motes e sonetos do nosso livro comum. Uma missão patriótica. Fazem-no na mais pura devoção, não se duvide. E, no meio de tudo isto, onde fica a música? Sim, sim, é muito importante, garante-se. Diz-se sempre que ela tem de ser da mais refinada qualidade para acompanhar as pristinas líricas. Não vá o ouvinte recusá-las por manifesta disseminação de alguma ferrugem no cromado polido com tanta dedicação. Isto é coisa séria, claro. Mais ainda num país de poetas. Eles cantam a poesia, são sensíveis, e nessa matéria o que conta é a textualidade. Para quê complicar com sentido de narrativa sonora- e toda as suas componentes harmónicas, melódicas e rítmicas - e conseguinte valor de produção. Confesso ainda não ter ouvido em disco nenhum dos elementos da tão celebrada, no final do ano que findou, galáxia Flor Caveira - estrutura editorial que, garantem alguns dos escribas e críticos que mais tenho em conta na nossa praça, alberga algum do mais empedernido talento nacional na feitura de canções populares. A isso se atira B Fachada, nome artístico de um rapaz urbano que se propõe repescar os valores subjacentes à suposta vitalidade e genuinidade musical de raiz tradicional portuguesa. Na noite de 9 de Janeiro, passada sexta-feira, apresentou-se ao vivo na mundana galeria Zé dos Bois (ZDB), ao Bairro Alto, em Lisboa. Antes, um vídeo documental dava conta dessa pretensa ligação (pontos de contacto) do artista a esse mundo em rarefacção acelerada e de como o inspirara na sua demanda criativa. Exposta a tese, chegou a hora de a colocar em prática. Letras bem tratadas, reflexo de alguém que sabe o peso exacto que elas têm ou podem ter. Uma viola braguesa, evidência literal dessa jornada ao interior do cancioneiro luso, acompanhava-o, apenas e só. Mais tarde, trocada por uma guitarra. Volta e meia, um arremedo de percussão. Uma voz longe de possuir uma tessitura alargada. A intencionalidade esteve lá, esforçada, numa espécie de assumido jogo de baixa-fidelidade, inspirado nos modelos norte-americanos de cantautores que preferem a economia de meios - e dos quais decalca toda a pose, com uma derivatória aqui e ali. Jogo arriscado, mais ainda quando se possui tão reduzido acervo temático. Às canções de B Fachada, pelo menos ao vivo, parece faltar vida, profundidade de campo, fazendo com que todas se assemelhem, mais ou menos. Se o instrumento vocal não tem ainda a capacidade para fazer sugerir o que as letras indicam, deveria-se, ao menos, ter olhado para opções como um baixo, um piano ou até a sons sintetizados. Viveram-se momentos de alguma poesia, mas a música terá sofrido algum percalço - pois não compareceu. Pode ser que em disco soe melhor.         

Etiquetas: , ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial