terça-feira, 30 de setembro de 2008

Ditos e contraditos

Nunca como hoje, o que agora é verdade passa a ser o seu contrário, ou algo parecido, pouco tempo depois. A ligeireza que se instalou nos últimos anos assume proporções de pandemia, com gente dita séria e interessada a cultivar a mais pura diletância na sempre exigente tarefa de manter uma coerência ética. Não admira, quando a informação vem ter com as pessoas em doses massivas - sabendo-se que precisamente o oposto, bem mais trabalhoso, se revela sempre muito mais proveitoso. Ninguém esquece o caminho que desbravou, mas muitos olvidam os trilhos já abertos por outros e nos quais se limitaram a colocar os pés.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Cuidado com as vossas carteiras

Aí está mais uma "constipação do sistema", como alguns lhe gostam de chamar. A crise financeira mundial, com bancos julgados como sólidos a esvairem-se à imagem de balõezinhos de ar numa festa de crianças, ainda deixa alguns empedernidos na defesa do crescimento contínuo. Mais do que a consequência de uma indevida exposição a uma inoportuna corrente de ar, aquilo a que assistimos por este dia é o sintoma maior de uma doença grave: a miragem do lucro infinito. Trata-se menos do estertor do capitalismo, como alguns vaticinam, e mais do tocar de campainha para a evidência que muitos teimam em ignorar, a saber, os recursos são finitos e só a sua sábia utilização poderá conduzir a uma situação de equilíbrio. Temos vivido, nos últimos 20 anos, um cenário de autêntico banquete consumista, sem perceber que para ter é necessário criar condições, vulgo riqueza, para tal. Dito de outra forma, não existe riqueza, sem produção. O contrário é especulação. Os cartões de crédito e o petróleo barato continuam a iludir muita gente.

sábado, 13 de setembro de 2008

"Mandonna"

Na véspera do concerto da mega-estrela da POP Madonna em Lisboa, importa reflectir, nem que seja brevemente, sobre o real significado da sua preponderância mediática - mais e mais amplificada, a cada nova acção por ela promovida. Se, musicalmente, é claro e estabelecido o consenso entre os ouvidos mais atentos de que a cantante dificilmente passará do nível venal - com os arremedos de pretensa transfiguração "vanguardista" a tomarem a dianteira nos últimos anos -, deve-se perguntar o porquê de tanto barulho à volta da sua personagem. É disso mesmo que se trata, porque Madonna soube, como poucos, criar uma personagem dentro do universo musical em que se movimenta, o qual vive, precisamente, desse constante jogo de máscaras. Até aí, nada de mal, são as regras do jogo. O "problema", dizemos nós, começa a partir do momento em que, consciente desse poder encenatório, a estrela norte-americana se assume como oráculo moralista, introduzindo gradualmente "sound-bytes" instigatórios do mais básico elementarismo na análise das questões a que ela pretende aludir. Ao contrário dos princípios da "obra aberta" que deve ser cada acto de criação, Madonna apela aos que nela crêem cegamente a partilharem e amplificarem, se possível, essa verve axiomática. Nada contra a veiculação da mensagem política no contexto da expressão artística. Afinal, na forma mais elementar, arriscamos dizer que tal se revela impossível, dada a natureza política da própria existência humana. O que está em causa é essa falta de cuidado na utilização de uma linguagem assaz complexa e poderosa como é a comunicação de massas. Na tournée em curso, a "Sticky & Sweet", a artista faz-se acompanhar do seu sofisticado aparelho de encenação, como é hábito, dando largas a essa pulsão que aqui entendemos como manipulatória. Exemplo extremo: durante a sua actuação, ecãs vídeo gigantes fazem passar na retaguarda, de um lado, imagens de Ghandi, Martin Luther King e Barack Obama, candidato democrata à casa Branca, personificando o "lado bom"; do outro lado, "o mau", associam-se imagens de John McCain, candidato republicano, às de Adolf Hitler. Que dizer perante tal reducionismo de análise? Também prefiro Obama, mas chegar a um ponto em que alguém se permite fazer algo como isto, deixa-nos, no mínimo, com dúvidas se ela saberá os rudimentos da História do século XX. E ela, a "Mandonna", manda. Mais do que nunca.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Liberdade de imprensa

Há coisa de duas semanas, as páginas de classificados do jornal PÚBLICO ostentavam uma curiosa parelha. Na página ímpar, uma pergunta: "Gostas de trintonas? Liga para o XXXXXXXXX". Na folha do lado, a par, fazia-se um apelo: ofereciam-se dois mil euros de recompensa a quem encontrasse um  determinado papagaio desaparecido. Isto também é liberdade de imprensa.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Sol na esplanada

Uma voz enfática fazia-se ouvir por entre as demais que  frequentavam a esplanda do miradouro de Santa Catarina, vulgo Adamastor, em Lisboa, na tarde do passado domingo. Uma rapariga falava e dois rapazes escutavam. "...naquela altura, fizemos uma caminhada até Fátima, que..."; "Quando os meus pais se casaram, a minha mãe disse ao meu pai que não gostava dele, só estava com ele porque já tinham duas filhas e...[...] Ainda estão juntos", relatava a moça com aspecto honesto e suburbano. Apesar da sombra garantida pelos chapéus, o calor continuava a zurzir a minha cabeça. Fui-me embora, minutos depois.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

A cor de Obama

Mas, será que ainda ninguém reparou? Todos falam naquele que poderá vir a ser o "primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América", como se se recusassem a olhar para a realidade: ele é tanto negro quanto branco. O senhor senador do Illinois, de quem se esperam enormes façanhas políticas, é filho de pai negro queniano e mãe branca norte-americana. Logo: mestiço. O epíteto que se lhe colou é bem reflexo da sociedade norte-americana e, a bem da verdade, deriva de um generalizado e hegemónico antropocentrismo europeu. Nos EUA, ele é considerado negro, pelo simples facto de não ser branco. Em Angola, garantem-me uns amigos daquela nação africana, Obama é visto como branco...