terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Tempos assustadores II

Tropecei, há pouco, com a notícia de que está para breve a publicação de uma revista de "Cultura, Artes e Ideias" denominada Salazar. Logo depois da incredulidade inicial, veio a incredulidade actual. "SALAZAR é um projecto cultural que contempla uma publicação digital, uma revista bimensal, workshops literários e artísticos, uma produtora de eventos culturais e uma editora de ficção. É uma ideia de pessoas jovens, qualificadas e com interesse fundamentado pelas artes e pelo país. Não pretende revolucionar ou provocar mas assume um carácter irónico e subversivo de análise e reflexão", argumenta a apresentação do projecto.

Mais à frente, diz: "Não acudimos ninguém, assumimos a perplexidade mas primamos, sobretudo, pela reflexão. A nossa curiosidade, aliada à nossa certeza de que é difícil ter certeza, afasta-nos da seriedade taxativa de quem tem causas a defender e bandeiras a empunhar. Preferimos desconfiar de quem não tem dúvida, e achamos que um pouco de cepticismo não faz mal a ninguém – e a nenhum projecto."

E, entre outras coisas, no fim da apresentação, acaba por explicar a razão do nome: "SALAZAR não tem resposta para tudo. Nem para quem pergunta por que se chama SALAZAR, porque a esse respeito ainda não chegamos a um consenso (existem, pelo menos, quatro versões). Podemos apenas garantir que nenhum dos colaboradores do projecto nutre simpatia por ideologias fascistas".

Dá para acreditar? Se dúvidas existissem sobre a indigência mental e, pior, sobre a leviandade em que se banha o neófito projecto, bastaria esta última parte para as desfazer. Se isto não é brincar com o fogo. Então, lança-se uma publicação com um nome carregado de simbolismo, indubitavelmente associado a um período em que as liberdade individuais foram suprimidas, e diz-se que sobre a escolha desse nome "não existe consenso" entre os fundadores? Mas o que é isto? Nem um (mau) jornal escolar se arriscaria a cirandar de forma tão grotesca pela retórica mais elementar.
Como alguém já comentou a propósito do nome da revista, escolhe-se este porque é "giro", porque dá nas vistas. É o marketing mais rasteiro de que há memória. E perigoso. Mas é este género de estratégias que está na moda.
Se dúvidas houvessem sobre as intenções do projecto, os promotores da ideia - num assomo de chico-espertismo tão em voga - tratam de as alimentar. Veja-se o que propõem como material promocional, disponível no site, clicando em "merchandising". Nada mais do que uma caricatura do ditador.
Um nojo.

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Tempos assustadores I

No dia que antecede a audiência de Pedro Rosa Mendes no Parlamento Europeu, a propósito da forma como foi dada como finda a sua colaboração com a RDP, na sequência de uma crónica em que ele criticava o regime angolano, um dado mais se junta à equação que tem como desfecho certo o amordaçar de Lisboa por Luanda. Como se temia, o jornal i foi comprado por captais angolanos, resgatando-o assim da difícil situação económica em que se encontrava. E, para começar a agradar ao dono logo no primeiro dia, os responsáveis pelo diário não encontraram nada de mais salutar do que publicar um artigo através do qual o governo daquele país africano assegura que "Pedro Rosa Mendes pediu desculpa ao presidente em 2002". De nada serve o próprio Rosa Mendes negar, no mesmo artigo, que tenha pedido desculpa ao déspota José Eduardo dos Santos. Os piores receios concretizam-se.

Angola garante que Pedro Rosa Mendes pediu desculpa ao presidente em 2002
Por Ricardo Paz Barroso, publicado em 31 Jan 2012 - 03:10 | Actualizado há 13 horas 27 minutos. Jornalista confirma ter ido ao palácio presidencial onde esteve “uma hora a olhar para um quadro”

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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Na exacta proporção

A forma como nos relacionamos com a escrita é, não podia ser de outra forma, um bom barómetro do tempo em que vivemos. E isso tanto se revela válido para a maneira de a consumir como de a produzir. A polifonia proporcionada pelo aparato da era digital - mais aparente, do que real, dada a massiva homogeneidade do que propala - evidencia o que qualquer cabeça minimamente pensante sabe: não há muita gente a dizer coisas com interesse. Mais: muito do que se diz é apenas eco do eco de algo dito em determinada circunstância. Pior: o estilo utilizado é, na maioria das vezes, medíocre ou pueril - quando não é os dois em simultâneo. Descontando tudo isso, uma coisa que me deixa assaz espantado é o facto de quase todas as pessoas que expõem um discurso acharem que têm de o fazer com recurso a imoderado uso de dois dos elementos da pontuação, a exclamação e as reticências. Como se não se acreditasse no real valor das palavras, há que aditiva-las, finalizando cada sentença com uma exclamação, supostamente para enfatizar o que se diz, ou com reticências, supostamente para mostrar cinismo ou, élas, enfatizar de forma cínica. Ora, para alguém sobejamente à vontade com o real peso das palavras, torna-se evidente o ardil de tais expedientes. Eles, mais do que servirem os propósitos de quem os usa, acabam por funcionar de forma razoavelmente eficaz como mecanismo de exposição da tibieza dessas pessoas no uso da linguagem. Nunca como agora se assistiu, sobretudo através das ditas "redes sociais", ao tão imperativo bombardeamento das linhas textuais com pontos de exclamação e ou reticências. Bem vistas as coisas, tal também pode ser visto como um negativo da era que atravessamos, cheia de incertezas e de becos sem saída.

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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Puzzle sinistro

Depois do "caso Rosa Mendes", esta semana teve ainda o seguinte: despedimentos no Diário Económico; despedimentos no Sol; compra do jornal OJE pelos angolanos e censura dentro de um diário para não se noticiar "o caso Rosa Mendes" e os despedimentos no Sol, ambos os casos obviamente ligados a Angola. A Liberdade apresenta sinais alarmantes de corrosão acelerada. Na verdade, isto não começou agora, antes foi um processo iniciado há pouco mais de uma década e que, agora, que a situação económica e financeira do país está a raiar o dramático, começa a revelar-se inteiramente, com as peças a encaixarem. Como um puzzle que revela um segredo sinistro.

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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O ar está irrespirável

Com o caso em torno do cancelamento da rubrica Este Tempo, na qual se difundia uma crónica radiofónica por dia, de segunda a sexta, na RDP, fica aquele cheiro a medo que já nos acompanhava há muito, mas que teimávamos em fingir inexistente. Pedro Rosa Mendes criticou a subserviência nacional para com a cleptocracia angolana e, alguns dias depois, foi informado pela direcção da rádio pública de que o programa seria coisa do passado. Como ele bem assinala, somos "uma sociedade asfixiada por valores do silêncio, da cobardia, do bajulamento e dessa gangrena da nossa pátria que é a inveja social”. Preparem-se para quando forem os chineses a ditar as regras.

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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A mais velha estória do mundo

Proactividade, empreendedorismo e coisas do género  =  fazer pela vida com novas roupagens.

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Periferia mental

Acabo de ouvir na televisão um jornalista falar sobre um assalto a um restaurante, ocorrido no Lumiar, "na periferia de Lisboa". Ainda recentemente, alguém dizia que estava em Belém e se iria deslocar para Lisboa. Apesar de viver na Estefânia e frequentar muito o Saldanha, não me passa pela cabeça ir a Lisboa. Longe disso.

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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O que é uma sigla?

"PALOP's? O que é isso?". Uma rapariga na casa dos 30, aspecto urbano e ar cuidado, pergunta ao homem que está à frente, na mesa que partilham. Amigos, provavelmente, ou futuros amantes. Ele faz-se acompanhar de alguns livros, tem ar de quem sabe algumas coisas. Explica-lhe, em tom contemporizador, que se trata da sigla para o conjunto dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. A conversa era sobre um assunto que eu não percebia bem ou não tivera a atenção, dirigida à mesa ao lado, para captar. Mas chamou-me a atenção esta pergunta. Costuma-se dizer que a ignorância é o princípio da sabedoria e com razão. Mas certos desconhecimentos deixam-nos abismados sobre esse bem relativo e cada vez mais vago conceito de "cultura geral".

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