A banalização dos discursos é, muitas das vezes, a sua principal inimiga. De tanto se dizer algo, de o repetir em qualquer circunstância, perde-se-lhe o rastro, esquece-se o que se pretendia significar no princípio. Quando se começou a enunciar esse algo, a intenção seria criar uma imagem forte para mais facilmente passar a mensagem. A metáfora, por exemplo, é uma figura de estilo que serve tal propósito na perfeição. Mas, tudo o que é de mais tem consequência nefastas. Uma das frases mais ouvidas, sempre que se pretende sublinhar o tom sombrio de determinada decisão ou política económica, é
"as pessoas não são números". Ouvi-mo-la amiúde, a cada vez que se anuncia uma qualquer aleivosia em que a vida de muita gente é tratada de forma fria e burocrática, denotando quem toma tais decisões aparente indiferença para com a vida dos que são afectados por tais medidas. "As pessoas não são números?". Certamente. Não o serão apenas, dizemos. Sê-lo-ão também, acrescenta-se. Reduzir a condição humana a uma só dimensão é um exercício grotesco, afinal. Mas convém reflectir sobre a relação das pessoas com esta grelha de análise da realidade que são os números ou, pelo menos, sobre a linguagem encontrada para descrever tal relação. As frases feitas dominam, cada vez mais, o discurso público. E isso assusta. Porque isso é a negação da reflexão. Os números terão o valor que a aritmética lhes dá. A interpretação sobre esse valor é que é, em si mesma, uma outra escala de valores.
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